14 março 2024

Um resumo da vida e obra de Martinho Lutero

Antecedentes da Reforma

1456   Surge a Bíblia de Gutenberg, às vezes chamado Bíblia de Mazarino, a primeira ser impressa e início da prensa de impressão e dos tipos móveis.

1466 ou 1469   Nascimento de Erasmo.

1483   Nascimento de Martinho Lutero.

1505   Lutero apanhado em uma tempestade, entra para o mosteiro agostiniano de Erfurt.

1509   Nascimento de João Calvino.

1510   Lutero viaja a Roma para conhecer o Vaticano e tratar de assuntos de sua ordem agostiniana.

1511 Ocorre o Concílio de Pisa. Lutero se muda para Wittenberg.

1512   Lutero recebe o grau de doutor em teologia, e, inicia conferências teológicas em Wittenberg.

1512-17   Ocorre o Quinto Concílio de Latrão.

1513   Eleito o papa Leão X.

1514-17   Bíblia Poliglota Complutense (publicada somente em 1522).

1515   Conferências de Lutero sobre as epístolas aos Romanos [novo entendimento de Rm 1:17].

1516   Publicação do Novo Testamento de Erasmo em grego e de uma tradução original em latim Novum Instrumentum.

1517   Em 31 de outubro Lutero “afixa” ou “remete” as 95 Teses.

 

A sua vida

Martinho Lutero nasceu em 10 de novembro de 1483, em Eisleben, na Saxônia Prussiana. Ele morreu nesta mesma cidade, durante uma viagem, no dia 18 de fevereiro de 1546. Durante muito tempo foi um monge agostiniano. No inverno de 1510-11, ele foi a Roma, uma cidade então cheia de entusiasmo pela Renascença, mas indiferente com o puro Cristianismo. Lutero ficou apavorado com a infidelidade e imoralidade do papado, uma impressão que sem dúvida foi instrumental para a sua conversão.

A sua carreira de ensino começou em 1508, na cidade de Wittenberg. Em 1512, ele recebeu o seu doutorado em teologia, e começou a ensinar a Bíblia. De 1513 a 1515, ele ensinou Salmos, e de 1515 a 1517, ensinou as epístolas de Romanos, Gálatas e Hebreus. Durante este período, os seus sentimentos de extrema imperfeição diante de Deus, foram intensificados. Ele foi assombrado com a compreensão de que um Deus de infinita justiça nunca poderia ser satisfeito com os seus miseráveis esforços em busca da pureza. Os seus estudos renderam-lhe a percepção de que a salvação é imerecidamente recebida pela fé em Jesus, e que pela justiça de Cristo somos salvos da condenação dos nossos pecados. Depois de muitos anos de dúvida e angústia acerca da sua salvação teve fim, quando entendeu que a salvação não dependia de seus méritos pessoais, mas somente da graça de Deus.

A doutrina da indulgência despertou o confronto entre Lutero e a Igreja Romana. Esta disputa teológica começou com as 95 teses.  Com o intuito de financiar a reconstrução da igreja de São Pedro em Roma, o Papa Julius II e depois dele, o Papa Leão X sancionaram a venda indiscriminada de indulgências. Na linguagem de Roma, indulgentia é um termo latino que se refere à anulação do castigo, em particular, a remissão dos castigos temporais (não eternos) pelo pecado, sob a condição de que a pessoa realizasse boas obras específicas e fizesse contribuições financeiras generosas para a Igreja de Roma. Segundo a doutrina católica somente Deus pode perdoar o castigo eterno pelo pecado, mas o pecador ainda deve suportar o castigo temporal pelo pecado, seja nesta vida ou no purgatório. Esta última penalidade estava sob o controle do papado e do sacerdócio. Assim, por um preço, a Igreja Romana podia reduzir tanto o grau como a duração do castigo no purgatório. Lutero descobriu que este horroroso ensino não se fundamentava nas Escrituras.

O desejo inicial de Lutero era de reformar a Igreja Romana, todavia, após a sua excomunhão, a sua frustração foi consumada. Através da bula papal Exsurge Domine, editada em 15 de junho de 1520, o Papa Leão X excomungou Lutero, exigiu a queima de seus livros, e condenou toda a Reforma protestante. Lutero respondeu jogando o documento no fogo, no dia 10 de dezembro de 1520.

O reformador alemão após vários debates teológicos, foi convocado a comparecer diante da Dieta de Worms, no dia 17 de abril de 1521, onde teria a oportunidade de se defender diante do imperador romano Carlos V. Neste concílio Lutero reafirmou todo o seu ensino, e recusou retratar-se de qualquer um dos seus escritos. Quando o reformador deixou a cidade de Worms, no dia seguinte foi sentenciado pelo imperador como “um herético notório”, que devia ser silenciado. Lutero foi chamado de criminoso, que cometeu alta traição e, consequentemente, recebeu uma sentença de morte.

Frederico, “o sábio”, o príncipe eleitor de Lutero, arranjou o seu sequestro durante a viagem de volta à Wittenberg. Lutero foi levado para o Castelo Wartburg, na Turíngia, região sul da atual Alemanha, e permaneceu ali por dois anos de exílio (1521-1522). Durante este tempo a Igreja Romana decretou proibida a leitura dos seus livros e uma recompensa pela sua captura foi anunciada. O próprio Lutero estava ativo, traduzindo o Novo Testamento para o alemão, bem como escrevendo, ou revisando os seus livros. Vários teólogos, professores universitários e governantes aderiram à Reforma proposta por Lutero. Este impetuoso movimento não poderia mais parar.

  

Obras escritas

        Martinho Lutero foi um escritor prolixo.[1] As suas obras foram produzidas no calor da controvérsia, e algumas delas chegaram inclusive a ser reescritas, tanto para revisão como ampliação devido à necessidade de esclarecimentos em pontos obscuros, bem como em novas questões. Assim, a lista selecionada abaixo indica apenas os textos que julgo importantes para se entender o pensamento do reformador alemão.[2]

1.   Die Bibel nach der übertsetzung Martin Luthers. [A Bíblia conforme a tradução de Martinho Lutero].

2.   Disputatio contra scholasticam theologiam [Debate contra a teologia escolástica] escrito em Agosto de 1517. Segundo Joachim Fischer “na evolução de Lutero, as teses representam a fase crítica. São o mais importante e testemunho escrito de seu rompimento com a escolástica e, assim, com o próprio passado teológico.”[3]

3.   Disputatio pro declaratione virtutis indulgentiarum [Debate exigindo uma declaração acerca do valor das indulgências, ou as 95 Teses] anexado em 31 de Outubro 1517. Martin Dreher observa que a motivação de Lutero ao escrever este texto “nada mais pretendia que o esclarecimento teológico de uma questão que o envolvia como cura d’almas e que tinha implicações para a piedade de seu paroquiano: a indulgência.”[4]

4.   Von den guten werckenn [Das boas obras] escrito em Fevereiro de 1520.

5.   Eyn sermon von dem Bann Doct. Martini Luther Augustiner czu Wittenbergk [Um sermão sobre a excomunhão do Dr. Martinho Lutero, Agostiniano de Wittenberg] escrito em 1520.

6.   Eyn sermon von dem newen Testament, das ist von der heyligen Messe [Um sermão a respeito do Novo Testamento, isto é, a respeito da Santa Missa] escrito em 1520.

7.   An den Christlichen Adel deutscher Nation von des Christlichen standes besserung [À nobreza cristã da nação alemã, acerca da melhoria do estamento cristã] escrito em 1520.

8.   De captivitate Babylonica ecclesiae [Do cativeiro babilônico da Igreja] escrito em 1520.

9.   Episola Lutheriana ad Leonem Decimum summum pontificem [Carta de Martinho Lutero a Leão X, Sumo Pontíficie] escrito em Outubro de 1520.

10. Tractatus de libertate christiana [Tratado da liberdade cristã] escrito em Outubro de 1520.

11. Dictio D. Martini Lutheri coram Caesare Carlo et principilus, Vormacie feria quinta post Misericordia Domini [Discurso do Dr. Martinho Lutero perante o Imperador Carlos e os príncipes, Quinta-feira depois de Misericórdias do Senhor] apresentado em 1521 diante da Assembléia de Worms.

12.  De servo arbitrio [Da vontade cativa] escrito em 1525.

13. Vom Abendmahl Christi [Da Santa Ceia de Cristo] escrito em 1528.

14. Deutsch Katechismus [Catecismo Alemão, ou Catecismo Maior] escrito em 1529.

15.  Enchiridion [Manual, ou Catecismo Menor] escrito em 1529.

16. Disputatio Domini Martini Lutheri de iustificatione [Debate do senhor Martinho Lutero acerca da justificação] escrito em 1536.

17. Disputatio contra Antinomistam [Debate contra os antinomistas] escritos em 1537 a 1538.

18. Von den Konziliis und Kirchen [Dos concílios e da Igreja] escrito em Março de 1539.

19. Disputatio Reverendi patris Domini D. Martini Lutheri de divinitate et humanitate Christi [Debate do Reverendo padre senhor  Martinho Lutero acerca da divindade e da humanidade de Cristo] escrito em 28 de Fevereiro de 1540.


NOTAS:

[1] A publicação comemorativa do aniversário de 500 anos do nascimento de Lutero, a Edição de Weimar abrange uma coleção de quase 100 volumes. do Martim C. Warth observa que o próprio Lutero ao escrever para Capito, em 9 de Julho de 1537, considerava como os mais importantes apenas dois: De Servo Arbitrio e o Katechismus. “Introdução” in: Obras Selecionadas de Martinho Lutero, vol. 7, p. 324.

[1] No Brasil a Comissão Interluterana de Literatura está traduzindo e publicando a partir dos originais latim e alemão, algumas Obras Selecionadas de Martinho Lutero.

[1] Joachim Fischer, “Introdução” do Debate sobre a Teologia Escolástica in: Joachim Fischer, ed., Obras Selecionadas de Martinho Lutero (São Leopoldo, Comissão Interluterana de Literatura, 1987), vol. 1, p. 14.

[1] Martin Dreher, “Introdução” do Debate para o esclarecimento do valor das indulgências in: Joachim Fischer, ed., Obras Selecionadas de Martinho Lutero, vol. 1, p. 21.

16 fevereiro 2024

Jonathan Edwards era um continuísta?

 

Jonathan Edwards é conhecido por produzir uma sadia teologia em tempos de avivamento nos Estados Unidos da América. Ele examinou experiências e supostas manifestações atribuídas ao Espírito Santo.
[1] Entretanto, ao contrário do que pentecostais e continuístas afirmam acerca do pensamento de Edwards sobre avivamento “ele não pensava que um tempo de dons extraordinários do Espírito Santo havia chegado, por isso negou (em contrário tanto a alguns radicais de seu tempo quanto aos pentecostais que surgiriam depois) que sinais de êxtase eram a melhor evidência de um verdadeiro derramamento do Espírito Santo”.[2] Hank Hanegraaff denunciou vários líderes do movimento Counterfeit Revival que propõem uma interpretação histórica revisionista distorcida do pensamento de Edwards, atribuindo a ele um continuísmo carismático.[3] Entretanto, numa leitura atenta aos textos de Edwards percebemos que ele, quanto aos dons revelacionais, era um cessacionista.

         Edwards adotava a categorização dos dons como ordinários e extraordinários. Por extraordinários ele diz

tais como o dom de línguas, de milagres, de profecia etc., são chamados extraordinários porque, como tais, não são dados no curso ordinário da providência divina. Não são outorgados do modo comum e providencial de Deus tratar com seus filhos, mas só em ocasiões extraordinárias, como foram outorgados aos profetas e apóstolos, tal como a capacidade de revelar a mente e vontade de Deus antes que o cânon das Escrituras fosse completado, e assim à igreja primitiva, para sua fundação e estabelecimento no mundo. Mas, desde que o cânon das Escrituras se completou e estas foram estabelecidas, estes dons extraordinários cessaram.[4]

 

         Noutro sermão ele reitera que

no conhecimento que o apóstolo diz que se desvanecerá está implícito um dom particularmente miraculoso que subsistia na igreja de Deus naqueles dias. Pois o apóstolo, como já vimos, está aqui comparando a caridade com os dons miraculosos do Espírito – aqueles dons extraordinários que eram comuns na igreja daqueles dias; um desses dons era o dom de profecia, e outro, o dom de línguas, ou o poder de falar em idiomas que nunca tinham sido aprendidos. Ambos esses dons são mencionados no texto; e o apóstolo diz que acabariam e cessariam. [...] É este dom miraculoso que o apóstolo afirma aqui que desapareceria, juntamente com os demais dons miraculosos dos quais ele fala, tais como profecia e o dom de línguas etc. Todos esses foram dons extraordinários outorgados por certo tempo para a introdução e estabelecimento do cristianismo no mundo; e, quando se atingiu seu propósito, todos eles desapareceram e cessaram.[5]

 

         Edwards declara que não há mais revelações hoje.

Se em algum momento alguém tem uma impressão extraordinária causada em sua mente, e crer que isso procede de Deus, a revelar-se algo que sucederá no futuro, isso, se fosse real, provaria ser um dom extraordinário do Espírito Santo, a saber, o dom de profecia; mas, à luz do que foi dito, é evidente que esse não seria um sinal seguro da graça ou de algo salvífico; sim, se fosse real, repito – pois, na verdade, não temos razão para considerar tais coisas, como se pretende em nossos dias, como sendo algo mais além do que ilusão.[6]

 

         Ele negava qualquer possibilidade de restauração dos dons extraordinários. A doutrina da luz divina no pensamento de Edwards é, por vezes, mal compreendida. Ela não pode ser confundida com o ensino dos entusiastas do século XVI, nem com os quackers no século XVII, em que se alegava uma comunicação revelacional imediata à alma pelo Espírito Santo. Ele define a luz divina como sendo “um verdadeiro sentido da excelência das coisas reveladas na Palavra de Deus, e convicção da verdade e da realidade que delas então emana.”[7] Ele negava que esta luz tenha natureza independe da Escritura Sagrada, ou que seja dada sem a sua mediação. Por isso, ele declara que

essa luz espiritual não é a sugestão de algumas novas verdades ou proposições não contidas na Palavra de Deus. Essa sugestão de novas verdades ou doutrinas à mente, independentemente de qualquer revelação anterior a essas proposições, seja em palavra ou escrita, é inspiração; como os profetas e apóstolos tiveram, e como alguns entusiastas pretendem ter. Mas essa luz espiritual da qual estou falando é coisa bem diferente da inspiração. Ela não revela nova doutrina, não sugere nova proposição à mente, não ensina coisa nova sobre Deus, ou Cristo, ou outro mundo, não ensinado na Bíblia, mas apenas dá uma apresentação correta dessas coisas que são ensinadas na Palavra de Deus.[8]

 

Apesar de Edwards aceitar com discernimento, interpretando à luz das Escrituras, as experiências sobrenaturais que ocorreram durante o Grande Despertamento, em nenhum momento ele admitiu a ocorrência dos dons revelacionais, ou a possibilidade de novas revelações pelo Espírito Santo à igreja em seus dias.


NOTAS:

[1] Um pastor contemporâneo de Edwards, em junho de 1743, escreveu: “não sabemos de visões, transes nem revelações; mas de exortações fraternais, com a mais modesta e afetuosa do que é representada”. Joseph Tracy, The Great Awekening (Edinburg, The Banner of Truth, 1976), p. 326.

[2] George Marsden, A breve vida de Jonathan Edwards (São José dos Campos, Editora Fiel, 2015), p. 107.

[3] Dentre eles James Ryle, John Arnott, Guy Chevreau, Gerald Coates, Patrick Dixon, William DeArteaga, Nick Needham, Rand Clark. Veja em Hank Hanegraaff, Counterfeit Revival – Looking for God in all the wrong places (Nashville, Word Publishing, 2001), pp. 95-115.

[4] Jonathan Edwards, Caridade e seus frutos – um estudo sobre o amor em 1 Coríntios 13 (São Paulo, Editora Fiel, 2015), pp. 50-51.

[5] Jonathan Edwards, Caridade e seus frutos – um estudo sobre o amor em 1 Coríntios 13, pp. 342-343.

[6] Jonathan Edwards, Caridade e seus frutos – um estudo sobre o amor em 1 Coríntios 13, pp. 65-66.

[7] Jonathan Edwards, A busca do crescimento (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2010), p. 33.

[8] Jonathan Edwards, A busca do crescimento, p. 32.


18 novembro 2023

A papisa Joana: fato ou falsidade histórica?

De meados do século XIII ao século XVII, a tradição de que houve uma papisa, comumente, mas não invariavelmente, chamada Joana, em alguma data do século IX, X ou XI, foi quase universalmente aceita; ainda fornecia munição aos atacantes do papado e da Igreja Romana no final do século XIX. A história aparece pela primeira vez, entre 1240 e 1250, na Crônica Universal de Metz atribuída ao dominicano Jean de Mailly, segundo a qual Victor III (falecido em 1087) foi sucedido por uma mulher talentosa que, disfarçada de homem, a havia trabalhado subiu na cúria como notário e acabou sendo promovido a cardeal. Ela foi traída quando, montando em seu cavalo, deu à luz uma criança e foi ignominiosamente amarrada ao rabo do cavalo, arrastada pela cidade e depois apedrejada até a morte.

O dominicano Estêvão de Bourbon (d.c. 1262) e o franciscano de Erfurt que escreveu (cerca de 1265) a Crônica Menor fornecem relatos bastante semelhantes sobre o caso da “papa”, aquele que o situa cerca de 1100 e o outro aproximadamente em 915. A história, entretanto, ganhou forma definitiva e ampla difusão pelas edições posteriores da imensamente popular e influente Crônica de Papas e Imperadores, escrita pelo dominicano polonês Martinho de Troppau (falecido em 1297). De acordo com estes, Leon IV (falecido em 855) foi sucedido por Johan Anglicus, que reinou dois anos, sete meses e quatro dias, mas era na verdade uma mulher. Natural de Mainz, ela foi ainda menina, vestida com roupas de homem, mas escoltada pelo amante, para Atenas, onde teve uma brilhante carreira estudantil, e depois se estabeleceu em Roma, onde suas palestras atraíram públicos tão ilustres e sua vida foi tão edificante. que ela foi eleita papa por unanimidade. A sua impostura foi finalmente exposta quando, cavalgando em procissão de São Pedro até Iaterano, ela deu à luz uma criança numa rua estreita entre o Coliseu e São Clemente. Ela morreu no local e foi enterrada lá; por causa do episódio vergonhoso, os papas evitaram cuidadosamente atravessar a rua. Embora Martin dê seu nome como John (ou seja, Joan ou Joanna no feminino), outros relatos a chamam de Agnes, Gilberta ou Jutta, ou a deixam sem nome.

A história, muitas vezes, embelezada com detalhes fantásticos, foi aceita sem questionamentos nos círculos católicos durante séculos. Foi adotado por humanistas como Petrarca (falecido em 1374) e Boccaccio (falecido em 1375) e influenciou a iconografia; Joana figura entre os bustos de papas colocados na catedral de Siena, cerca 1400. Os críticos das reivindicações papais (por exemplo, John Huss no Concílio de Constança em 1415) foram capazes de explorar a história sem ser contrariado. Um escritor entusiasmado, Mario Equicola, de Alvito (perto de Caserta, cerca de 1525), chegou a argumentar que a providência tinha usado a elevação de Joana para demonstrar a igualdade das mulheres com os homens. A crítica católica à lenda tornou-se cada vez mais forte a partir de meados do século XVI; mas, foi um protestante francês, David Blondel (1590-1655), quem efetivamente a demoliu em tratados publicados em Amsterdã em 1647 e 1657.

Hoje em dia, dificilmente há necessidade de uma refutação meticulosa, pois não há provas contemporâneas de uma papisa em qualquer uma das datas sugeridas para o seu reinado, mas os fatos conhecidos dos respectivos períodos tornam impossível enquadrá-la neles. A origem da história, no entanto, nunca foi explicada de forma satisfatória. O seu cerne é geralmente considerado um antigo conto popular romano que foi ampliado por uma série de circunstâncias desnecessariamente consideradas suspeitas; por exemplo, o evitar deliberado de uma determinada rua pelas procissões papais (provavelmente por causa de sua estreiteza), a descoberta nesta rua de uma estátua enigmática que representava uma mulher amamentando uma criança e de uma inscrição intrigante perto da qual poderia ser distorcida para apoiar a lenda, e a crença popular (do final do século XIII) de que após a eleição de um papa, teria que se submeter a testes para comprovar que era realmente do sexo masculino. É provável, também, que a recordação de que no século X, o papado tinha sido dominado por mulheres inescrupulosas como Teodora, a Velha, Marozia e a jovem Teodora, tenha ajudado a dar valor à história.

  

Anexo: “Papisa Joana” in: J.N.D. Kelly, ed., The Oxford dictionary of popes (Oxford, Oxford University Press, 1989), pp. 329-330.

Traduzido por Ewerton B. Tokashiki

28 março 2022

A redescoberta dos puritanos no século XX

 

Os puritanos foram redescobertos indiretamente pela pregação e textos de Charles H. Spurgeon. O príncipe dos pregadores herdou de seu pai uma grande biblioteca, contendo muitas obras dos puritanos. No entanto, ele se preocupou mais em fazer conhecida a mensagem do que a história, o pensamento e obras dos puritanos. A tarefa de trazer o movimento ao público do século XX foi realizada por D.M. Lloyd-Jones e Iain H. Murray.

David Martyn Lloyd-Jones (1899–1981) foi um pastor galês, que por quase 30 anos ministrou na Capela de Westminster em Londres. Ele foi influente no despertamento calvinista do movimento evangélico britânico no século XX, na popularização no método expositivo de pregação e na redescoberta da teologia puritana.

Iain H. Murray serviu como pastor auxiliar de D. Martyn Lloyd-Jones na Capela de Westminster (1956–59) e, posteriormente, na Capela Grove em Londres (1961–69) e na Igreja Presbiteriana St. Giles, Sydney, Austrália (1981–84). Em 1957, ele e Jack Cullum fundaram a editora The Banner of Truth Trust, da qual ele continua sendo um administrador.

A editora The Banner of Truth Trust promoveu a reedição de muitas obras completas, biografias e monografias dos puritanos. O saudoso e querido Bill Barclay que serviu como missionário no Brasil fundou a PES, sendo a primeira editora a publicar textos dos puritanos em nosso país. Atualmente diversas editoras têm publicado desde sermões, biografias, textos resumidos a alguns volumes completos dos puritanos. Recentemente a editora Defesa do Evangelho lançou o curso em vídeo [com 2 livros-textos] do Joel R. Beeke de “Introdução aos Puritanos”. Um excelente material!

A biblioteca do Puritan Reformed Theological Seminary possui o maior acervo de fontes primárias dos puritanos. Dentre elas algumas raridades como um exemplo original da primeira edição e impressão da Confissão de Fé de Westminster. 

Os Simpósio Os Puritanos estará realizando a sua 29o. conferência em 2022. Todos os anos disponibilizam durante o evento uma livraria com literatura puritana e demais reformados. Além de palestras sobre o puritanismo.

Creio que será de grande proveito que você leia, conheça e, por si mesmo, descubra a riqueza da piedade puritana. Há muita distorção e maledicência, seja criterioso e examine. Tenho certeza que você terá uma experiência enriquecedora.


 Obs.* A Nadere Reformatie Publicações tem publicado excelentes textos dos puritanos em Kindle.

 

 


04 setembro 2021

Resumo das decisões do Supremo Concílio da IPB quanto ao Comunismo/Socialismo

Preparado por Pb. Edson Marques & Rev. Ewerton B. Tokashiki



Em 1954, quando Getúlio Vargas era o Presidente do Brasil, A Igreja Presbiteriana do Brasil se pronunciou contra o comunismo da seguinte forma: “SC-54-138 - Quanto à consulta do Presbitério do Botucatu sobre se um membro da IPB, com ideias francamente comunistas, pode tomar parte nos trabalhos da Igreja, como dirigir classe da Escola Dominical, etc., o SC resolve responder que há incompatibilidade entre o comunismo ateu e materialista e a doutrina bíblica e os símbolos de fé da IPB”.

 

Em 1956, a IPB teve que se posicionar sobre a atitude cristã quanto ao comunismo: “CE-56-096 - Quanto ao Documento Intitulado ‘Avaliação’, enviado pela CBM, a CE-SC/IPB resolve: [...] 7) Em referência à atitude cristã quanto ao comunismo, persistimos em pregar a realidade do poder transformador do evangelho de Cristo, crendo que o comunismo é uma filosofia de vida contrária ao espírito e à doutrina evangélica.”

 

Em 1965, o assunto ainda fomentava nos presbitérios ao ponto de vermos que as consultas continuavam a ser encaminhadas à Comissão Executiva: “CE-65-081 - Presbitério de Castro - Consulta - Quanto ao Doc. 10 - Consulta do PCST sobre atitude a ser tomada por Presbitério quando tiver obreiro comunista e sobre a posição da IPB em face do mesmo assunto - a CE-SC/IPB resolve aprovar Doc. III nos seguintes termos: 1) Declara que a esta CE-SC/IPB não padece qualquer dúvida sobre a idoneidade moral dos Presbitérios para considerarem a situação sócio-político-doutrinária de seus obreiros; 2) Encaminhar ao SC a consulta sobre a posição da IPB em face do assunto.”

 

Então, em 1966, no Governo de Humberto Castelo Branco, o Supremo Concílio da IPB tomou posição contra o comunismo e seus adeptos, como segue: “SC-66-074 – Presbitério de Castro - Consulta - Doc. XXXIV- Quanto ao Doc. 26 Consulta do PCST sobre atitudes do Presbitério quando tiver obreiro comunista, o SC resolve: 1) Reafirmar ser indispensável a qualquer pessoa que deseja filiar-se à IPB, em especial aos seus oficiais e ministros, a aceitação da Palavra de Deus como única regra de fé e prática, e seus símbolos de fé. Quando qualquer prova se possa fazer contra membro ou membros da IPB de que já não mais aceitam a Palavra de Deus e seus símbolos de fé, por adotarem uma filosofia em choque com os princípios cristãos, no todo ou em parte, a mesma prova deve ser apresentada ao Conselho competente para os devidos fins; 2) Reafirmar a resolução da Assembleia Geral de 1936 que declara: ‘Compete ao cristão obedecer as autoridades legitimamente constituídas e realizar os deveres do cidadão, nunca devendo adotar qualquer ideologia que atente contra os princípios evangélicos da liberdade civil e de consciência e de ordem e paz sociais’”.

 

Em 1977, no governo de Ernesto Geisel, foi a vez da Organização Palavra de Vida flertar com o comunismo. Havia muitos jovens que participavam de seus eventos. A IPB se posicionou: “CE-77-007 - Atividade da Organização Palavra da Vida - Doc. XLIV - Quanto ao Doc. 40 - Informações do Sr. Presidente referente à Palavra da Vida. A Comissão Executiva do Supremo Concílio, considerando ser ambígua a doutrina implícita, sobre a compatibilidade ética do comunismo russo, marxista, com o cristianismo, esposado pela ‘Organização Palavra da Vida’ conforme publicação oficial feita no ‘Jornal Palavra da Vida’ em seus artigos ‘Eu chorei na Rússia’ e ‘Cristianismo na Rússia, uma existência inquieta’. Resolve: 1) Recomendar às Igrejas que, mediante doutrinação, aconselhem seus jovens e fiéis a não participarem das atividades da ‘Organização Palavra da Vida’; 2) Recomendar que os Presbitérios e as igrejas não encaminhem jovens nos cursos mantidos pela organização supracitada; 3) Encaminhar a presente resolução à Comissão Especial dos Seminários”.

 

O Rev. Boanerges Ribeiro como Vice-presidente e representando a IPB na Assembleia Geral da PCUSA, apresentou o seu parecer sobre a condição doutrinária daquela denominação. A CE - 1979 - DOC. XVI fez o seguinte registro: “Rev. Boanerges Ribeiro - Relatório de Comparecimento à Assembleia Geral da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos - Doc. XLV - Quanto ao Doc. 42 - Relatório do Sr. Vice-presidente do Supremo Concílio, Rev. Boanerges Ribeiro referente ao seu comparecimento â Assembleia Geral da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos, como representante da Igreja Presbiteriana do Brasil - A Comissão Executiva do Supremo Concílio resolve: 1) Tomar conhecimento. 2) Ressaltar a ênfase dada no relatório do Rev. Boanerges de que a evangelização, tal como a compreendemos, ou seja: proclamação de que em Jesus Cristo, e somente pela fé nele pode o homem salvar-se, vem, naquela Igreja, perdendo relevo, face à orientação da ‘Igreja nativa’ para a ‘libertação’ em um entendimento marxista, histórico-materialista, que recebe ênfase, recursos e pessoal. 3) Alertar a Igreja Presbiteriana do Brasil contra a possível infiltração de pessoas oriundas de tal orientação. 4) Apreciar a atuação firme e fiel do Rev. Boanerges como representante da Igreja Presbiteriana do Brasil”.

 

Em 1990, A IPB produziu uma Pastoral de Ética Cristã Política que, entre outras coisas, recomenda: “Que se evite todo e qualquer apoio a candidatos reconhecidamente descompromissados com os ideais de democracia, justiça e paz propugnados pela nossa Igreja, que visam apenas o interesse pessoal, pactuam com os injustos e corruptos, aceitam subornos, negam justiça aos pobres (Is 5.18, 22-23), decretam leis injustas (Is 10.1) e se afastam da Palavra de Deus como ‘regra de fé e prática’”.



01 setembro 2021

O pequeno Mayflower

 

Em Nome de Deus, amém.


Nós, cujos nomes são inscritos, os súditos leais de nosso temível senhor soberano, Rei James, pela graça de Deus, rei da Grã-Bretanha, França, Irlanda, defensor da fé, etc., tendo empreendido para a glória de Deus e promoção da fé cristã, e honra de nosso reino e país, uma viagem para implantar a primeira colônia nas partes do norte da Virgínia, fazendo por esses que aqui estão presentes, solenemente e mutuamente na presença de Deus, e um do outro, compactuar e nos unir em um corpo político civil, para nossa melhor organização, preservação e promoção dos fins acima mencionados; e, em virtude deste instrumento, promulgar, constituir e enquadrar tais leis, ordenanças, atos, constituições e ofícios justos e iguais, de tempos em tempos, conforme for considerado mais adequado e conveniente para o bem geral da Colônia, ao qual prometemos toda a devida submissão e obediência.


 Em testemunho do que, aqui subscrevemos nossos nomes em Cape Cod, em 11 de novembro, no ano do reinado de nosso senhor e soberano, o Rei James, da Inglaterra, França e dia 18 na Irlanda e quinquagésimo quarto dia da Escócia.[1]


Anno Dom. 1620[2]

 

 Notas:

[1] W.F. Reddaway, ed., Select Documents of European History - 1492-1715 (London, Methuen & CO. Ltda., 1930), vol. 2, pp. 203-204. Este documento foi a declaração de submissão dos tribulantes do Mayflower, sendo a maioria deles puritanos que colonizaram os EUA.

[2] 11 de novembro de 1620

03 agosto 2020

A compaixão deve ser sábia - uma abordagem no trabalho diaconal

por John Sittema


Não são somente os diáconos que demonstram misericórdia, mas toda a igreja é chamada para esta tarefa. Levar a misericórdia é missão de toda a igreja, e de cada crente. O serviço especial que realizam os diáconos é estimular e coordenar a prática da misericórdia pelos demais membros do corpo. Todavia, às vezes este assunto da misericórdia chega a complicar-se. Os diáconos de minha igreja pedem-me conselhos para resolver problemas em seu trabalho. Estes problemas podem ser o orgulho que alguns têm, que lhes impede receber a ajuda que necessitam, ou o contrário - uma atitude de querer receber tudo sem esforço pessoal, o que contribui para a preguiça e perda da autoestima. Se acrescentar o ciúme e a avareza, pronto se poderá perceber alguns dos problemas que enfrentam os diáconos.

Este artigo tem como propósito dar alguns conselhos para ajudar aos diáconos a realizarem o seu trabalho nestes tempos em que muitos estão caindo no consumismo e no materialismo. Serão citadas muitas passagens das Escrituras, e um estudo mais detalhado de cada passagem seria necessário para uma maior compreensão do ponto. Rogo a Deus que este artigo estimule a discussão entre os diáconos, e que ajude a esclarecer assuntos chaves nos desafios que enfrentam.

A misericórdia é mais do que uma esmola

A igreja guiada por seus diáconos é chamada a praticar a compaixão, o amor e o apoio para com aqueles que levam pesadas cargas em suas vidas. Esta ajuda pode ser monetária, ou “um vaso de água” (Mc 9.41), ou uma palavra de ânimo em nome de Jesus. Nalgumas ocasiões as pessoas enfrentam um inimigo mais demolidor - a perda da esperança: “O coração alegre constitui bom remédio; mas o espírito triste, seca os ossos” (Pv 17.22). Nestes casos, serão urgentes as visitas fiéis pelos diáconos (e também pelos presbíteros e pastores!), abrindo a Palavra de Deus com eles. Por outro lado, a tarefa dos diáconos com frequência inclui dar o alerta de advertência, ou prover uma admoestação – coisa que muitos não gostam. Todavia, esta tarefa em particular provê uma faceta importante a longo prazo.

Uma boa passagem é 1Ts 5.12-15, onde Paulo disse que “admoestem os insubmissos, consoleis os desanimados ...”

A igreja não é um partido político socialista

A igreja recebe ofertas do povo de Deus, e deve usá-las com benevolência. Mas recordemos que a meta não é a “redistribuição das riquezas”. Pelo contrário, a meta é o avanço do reino de Deus, tanto no sentido amplo, como também no sentido individual (veja At 6.1-7 e 2Co 8-9. Em ambos os casos o ministério diaconal ajudou que a igreja crescesse e que o reino de Deus se estendesse).

Certamente as Escrituras fazem um chamado aos ricos que sejam generosos com os necessitados (1Tm 6.18); mas, também chamam tanto aos ricos como aos pobres para o contentamento, e que não se queixem diante sua condição (1Tm 6.7-8). Hoje em dia o descontentamento está transbordando - embora eles tenham “sustento e abrigo” muitos não estão felizes. Este é um problema espiritual com consequências sérias: “Porque os que querem enriquecer caem em tentação e ciladas, e em muitas cobiças néscias e danosas, que afundam os homens em destruição e perdição” (1Tm 6.9). Recordemos que sempre teremos os pobres entre nós - em parte para provar o coração dos ricos, e também para assegurar que todos tenhamos nossa meta em Jesus, e não nas possessões materiais. Os diáconos devem focar nos corações, não em algum sentido humano da “repartição justa” dos bens.

Mantenhamos uma abordagem bíblica do sofrimento

O sofrimento dói, mas o sofrimento não prejudica. Esta distinção é crucial. Cristo nos chama a aceitar os sofrimentos como mestre da alma. Em muitas partes do Novo Testamento há o ensino que os sofrimentos humilham aos orgulhosos (algo que todos necessitamos!), nos instrui a paciência, produzem perseverança e despertam a esperança.

Quando o crente clama ao Senhor debaixo de sofrimento, outros cristãos apressam-se para ajudar. Mas quando alguns assumem uma atitude de amargura diante do sofrimento, e exigem que os diáconos removam a dor - na realidade estão desafiando a Deus. Apeguemo-nos ao Catecismo de Heidelberg e confessemos que “as riquezas e a pobreza vêm não como pelo azar, mas por seu conselho e vontade paternal” (#27). Os diáconos devem entender que sua missão não é aliviar o sofrimento. Antes, a sua tarefa é ajudar a interpretar o sofrimento e ajudar a passá-lo (não evitar), e a crescer por haver passado. Se apontamos mal neste assunto, cortaremos os bons propósitos do Senhor.

Seria como não deixar que o nosso filho aprenda as duras lições da vergonha e do castigo quando descoberto roubando algo duma loja. Seria como o pai ou mãe que não disciplina ao seu filho somente porque chora. Passagens importantes são Hb 12.7ss; Tg 1.2-12; 1Pe 4.12-19.

Não seja partícipe do néscio em sua insensatez

A insensatez tem consequências. Escolhas néscias para gastar o dinheiro, decisões néscias na criação dos filhos, e a conduta moral néscia - todos colhem muitos problemas. As Escrituras nos dizem que não sejamos partícipes com os néscios: “Nunca respondas ao néscio de acordo com a sua tolice, para que não sejas também como ele” (Pv 25.4). Imaginemos uma situação em que os diáconos recebem uma solicitação de assistência financeira de alguém que gastou milhares e milhares de reais com seu cartão de crédito, e tem sérios problemas em pagá-lo. Se a causa de seus problemas foi um furacão, um incêndio, ou uma dívida com gastos médicos - seria uma cosa. Mas outra coisa é o gasto desenfreado de dinheiro com as últimas modas, novos eletrodomésticos, equipamento eletrônico, etc. Não seria sábio oferecer ajuda financeira neste último caso. O que se deve prover é assistência diaconal em fixar prioridades e desenvolver a disciplina de manejar as prioridades. Passagens relevantes são: 2Ts 3.10; Gl 6.7ss; e Pv 16.25, 26; 17.15,16,18, 22; 18.6-7 e 19).

Mantenha a abordagem global de vista

A instrução de At 6.3 requer que os diáconos sejam homens “cheios do Espírito e sabedoria”. Em 1Tm 3 exige homens que tenham sua casa em ordem, por que como cuidarão da casa de Deus? Por que encontramos estes requisitos? Não necessitam coletar a oferta nos dias de culto, nem mesmo que se fixe em que a usarão. Estes requisitos não têm sentido se a única coisa que os diáconos fazem é aliviar o sofrimento através de ajudas econômicas. A resposta deve ser óbvia para todos - isto NÃO é o trabalho dos diáconos! Pelo contrário, seu chamado é ajudar as pessoas a serem bons mordomos de suas vidas e recursos, a motivá-las para a generosidade, a evitar a cobiça e descontentamento, e a utilizar todos os seus recursos com sabedoria para o avanço do reino de Deus. A compaixão deve servir estes propósitos.

25 julho 2020

Uma das maiores ironias da história da Teologia Reformada

Por Kevin DeYoung


Benedict Pictet nasceu em 30 de maio de 1655 numa das principais famílias de Genebra. Ele estudou teologia com seu tio, Francis Turretin, e então completou a sua educação em Paris e Leiden, onde estudou com o conservador calvinista alemão Frederich Spanheim (o jovem). Depois de pouco tempo na Inglaterra, Pictet retornou a Genebra e, em 1686, tornou-se assistente de Turretin e Philippe Mestrezat no departamento de teologia. Pictet desenvolveu-se bem, sucedendo seu tio à cadeira de teologia e sendo procurado como sucessor de Spanheim em Leiden. Como professor e pastor em Genebra, Pictet era amplamente considerado não apenas por sua erudição, mas por sua pregação hábil, seu trabalho humanitário, seu hinário e sua elegante revisão francesa dos Salmos. As suas duas obras teológicas mais importantes foram Christian Morals (1692) e Christian Theology (1696). Pictet morreu em 10 de junho de 1724, gritando em seus momentos finais: “Ó, morte, onde está sua ferroada?”[1]

Além de Theologia Christiana, Pictet é mais lembrado por sua firme oposição à remoção do Consenso da Fórmula Helvética como um padrão confessional na Suíça. Durante a maior parte do século XVII, a teologia reformada estava envolvida em controvérsias em torno da Academia de Saumur, na França, como os líderes de Saumur - Moise Amyraut (1596-1664), Louis Cappel (1585-1658) e Josue de la Place (1596). -1665) - resistiu à ortodoxia reformada do Sínodo de Dort (1618-1619). Em 1637, Amyraut foi levado perante a Igreja Reformada Francesa para explicar as suas opiniões sobre a extensão universal da expiação e da redenção hipotética. [2] Quando ficou claro, nas décadas seguintes, que Amyraut não seria removido de seu posto ou pastorado em Saumur - e, de fato, a influência do Amyraldianismo estava se espalhando-as principais mentes da Suíça começaram a planejar uma resposta mais definitiva. Em 1669, Francis Turretin (1623-1687) iniciou a ideia com Johann Henry Heidegger (1633-1698) de um Consenso Suíço que trataria dos erros de Saumur: a saber, o enfraquecimento de Cappel da inspiração do texto hebraico do Antigo Testamento, de la Place a rejeição da imediata imputação do pecado de Adão, e a insistência de Amyraut de que Deus pretendia que a morte de Cristo fosse para todos (sob a condição de que eles cressem). Um rascunho do Consenso foi composto por Heidegger em Zurique, com Turretin de Genebra e Lucas Gernler (1625-1675) da assistência de Basileia. A Fórmula Consenso Helvética foi aprovado pela Dieta Evangélica da Suíça em 1675 e endossado pela Companhia dos Pastores da Igreja de Genebra, em 1678, e pelo Conselho em 1679.[3]

Uma geração depois, Genebra estava disposta para comprometer-se com o Consenso. Numa das reviravoltas irônicas da história teológica, o impulso para remover o Consenso foi liderado pelo filho de Turretin, Jean-Alphone Turretin (1671-1737), cujo principal oponente defendia o Consenso era seu primo mais velho (sobrinho de Francis), Benedict Pictet. Francis Turretin se casou mais tarde e seu filho Jean-Alphonse não nasceu até que seu pai tivesse quarenta e nove anos. Pictet e Francis Turretin tinham um relacionamento próximo: Turretin ensinou teologia a Pictet; Pictet sucedeu Turretin como professor de teologia na Academia; Pictet foi chamado à cabeceira de Turretin em seus últimos dias e, em 3 de novembro de 1687, foi Pictet (não Jean-Alphonse, 16 anos) que fez uma oração fúnebre hagiográfica em honra de Turretin. [4] Perto do final da oração, Pictet orou para que a morte de seu amado tio não "anunciasse qualquer coisa para nossa igreja" e que Deus mantivesse Genebra "segura e tranquila, um cenário invencível de seu poder e virtude".[5]

Mas não era para ser assim. Apesar dos protestos de Pictet e Bento Calandrini (1639-1720), em 1706, o Conselho de Genebra removeu a exigência de que os fossem ordenados subscrevessem a Fórmula. Mesmo uma medida mediadora exigindo que candidatos ministeriais concordem em não ensinar nada contra a Fórmula não poderia ser aprovada. Em 6 de setembro de 1706, o Conselho adotou um novo rito de ordenação que anulou a Fórmula, exigindo apenas que os ministros subscrevessem o Antigo e o Novo Testamento e não subscrevessem contra as confissões e o catecismo da igreja. [6] Ao contrário do jovem Turretin e da maioria da Companhia de Pastores, Pictet não acreditava que a Fórmula fosse um obstáculo à unidade com os holandeses, ou mesmo que isso dificultasse a união projetada com os luteranos. [7] Ele sustentou que se Genebra perdesse a Fórmula, eles perderiam Dordt e a confissão de fé, e que eventualmente o Arminianismo seria estabelecido, ou algo pior. "Temo que os espíritos deste século sejam extremamente dados a novidades", disse ele em defesa da Fórmula.[8]

O temor de Pictet provou ser presciente. Em 1725, um ano após a morte de Pictet, a fórmula de subscrição de 1706 foi posta de lado em favor de uma política ainda mais frouxa que exigia que os pastores apenas subscrevessem a Bíblia e o Catecismo de Calvino como um fiel resumo das Escrituras. Não havia requisitos para subscrever - nem mesmo um requisito para não ensinar contra - o Consenso da Fórmula Helvética, a Segunda Confissão Helvética ou os Cânones de Dordt. [9] Não é de admirar que Robert Wodrow, escrevendo na Escócia em 1730, tenha repassado com grande espanto a notícia de que “Turretin, o filho, havia derrubado tudo em Genebra”, lamentando ainda mais que “a subscrição das confissões não fosse mais necessária naquela cidade.”[10] A Genebra de Calvino foi efetivamente desconfessionalizada. A ortodoxia reformada estava em declínio.


NOTAS

[1] Informações biográficas tiradas de Martin I. Klauber, “Family Loyalty and Theological Transition in Post-Reformation Geneva: The Case of Benedict Pictet (1655-1724)” Fides et Historia 24: 1 (inverno / primavera de 1992), 54-67, Klauber; James I. Good, History of the Swiss Reformed Church Since the Reformation (Philadelphia: Publication and Sunday School Board, 1913), 176-178. A única biografia completa de Pictet é Eugne de Budé, Vie de Bénédict Pictet, theologien genevois (1655-1724) (Lausanne: Georges Bridel, 1874). Agradecimentos especiais a David Eastman, Professor Assistente de Religião da Ohio Wesleyan University, por traduzir partes do volume do Budé para o inglês para uso neste projeto.

[2] Para uma visão geral imparcial dos pontos de vista de Amyraut sobre a predestinação e a expiação, veja “Controversy on Universal Grace: A Historical Survey of Moïse Amyraut’s Brief Traitté de la Predestination” in From Heaven He Came and Sought Her: Definitive Atonement in Historical, Biblical, Theological, and Pastoral Perspective, ed. David Gibson and Jonathan Gibson (Wheaton, IL: Crossway, 2013), 165-199.

[3] Reformed Confessions of the 16th and 17th Centuries in English Translation 4 vols., Compilada com introduções por James T. Dennison, Jr. (Grand Rapids: Reformation Heritage Books, 2014), 4:516-530. Veja também Martin I. Klauber, “The Helvetic Formula Consensus (1675): An Introduction and Translation,” Trinity Journal 11 (1990): pp. 103-123; The Creeds of Christendom 3 vols., 6th edition, ed. Philip Schaff, rev. David S. Schaff (Grand Rapids: Baker Books, 1998), 477-489. A tradução de Klauber da Fórmula é usada em Confissões Reformadas, junto com o prefácio introdutório original traduzido por Richard Bishop.

[4] Para esta história veja Klauber, “Family Loyalty,” 57-60; veja também por Klauber, Between Reformed Scholasticism and Pan-Protestantism: Jean-Alphonse Turretin (1671-1737) and Enlightened Orthodoxy in the Academy of Geneva (London: Associated University Presses, 1994), 143-164.

[5] “Funeral Oration of Benedict Pictet Concerning the Life and Death of Francis Turretin” traduzido por David Lillegard in Francis Turretin, Institutes of Elenctic Theology 3 vols., trans. George Musgrave Giger, ed. James T. Dennison, Jr. (Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed, 1997), 3:676.

[6] Klauber, Between Reformed Scholasticism and Pan-Protestantism, 146-148, Good, History of the Swiss Reformed Church, pp. 177-178.

[7] Budé, Vie de Bénédict Pictet, p. 43.

[8] Ibid., 41. Cf. Klauber, “Reformed Orthodoxy in Transition: Benedict Pictet (1655-1724) and Enlightened Orthodoxy in Post-Reformation Geneva” in W. Fred Graham (ed.), Later Calvinism: International Perspectives, Sixteenth Century Essays an Studies 22 (Kirksville, MO: Sixteenth Century Journal, 1994), p. 98.

[9] Good, History of the Swiss Reformed Church, p. 178. Veja também James T. Dennison, Jr., “The Twilight of Scholasticism: Francis Turretin at the Dawn of the Enlightenment” in Protestant Scholasticism, eds. Trueman and Clark, 244-255.

[10] Robert Wodrow, Analecta: Materials for a History of Remarkable Providences mostly Relating to Scotch Ministers and Christians, 4 vols. (Edinburgh: Maitland Club, 1853), 4:149.

Traduzido por Ewerton B. Tokashiki